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Delfina


Há pessoas que nos marcam, que amamos e nos amam, que não são família, mas são.
Os meus pais tiveram uma empregada que passou a ir também a nossa casa, um ou dois anos depois do nosso casamento.
Viu-me crescer e ter filhos. Tratava-me por menina Ana. Sempre.
Chamava-se Delfina.
Disse-me sempre coisas sábias, de quem aprendeu com a vida. Desabafava e ouvia-me.
De 15 em 15 dias acordava às 05h30 da manhã para apanhar o barco e dois autocarros. Não pelo que ia ganhar, mas pelo que me ia dar.
Fazia tudo com carinho, como quem vai a casa de um filho dar uma ajuda.
O Martim lembra-se bem dela. A Nôno deve ter uma memória no coração.
O Martim perguntou-me ontem por ela.
Eu respondi-lhe que ela morreu. Que ela agora está no céu.
Ele perguntou: - Um dia quando eu morrer vou voltar a estar com ela?
Respondi: - Tenho a certeza que sim, mas ainda falta muito tempo para isso acontecer.
Devolveu: - Não faz mal, eu espero. Tenho muitas saudades dela.
Eu também.

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