O Eu da Filipa

No dia da Liberdade fomos almoçar fora. Entre o nosso carro e o restaurante passámos por um sem abrigo que ajeitava os seus cobertores. Meteu-se com os miúdos de forma muito simpática. A Nôno ficou curiosa e perguntou: - O que é que ele estava a fazer? - Estava a arrumar umas coisas. - respondi eu. - Já percebi, ele veio acampar, não foi? Foi mais ou menos e espero que sejam poucos dias.

Para mim ontem era segunda-feira. Hoje é sexta. Semanas assim são pouco produtivas. Mas sabem a mel.

A Nôno ontem disse-me que queria um porquinho verdadeiro (como o do filme da Vaiana). Para a dissuadir da ideia, disse-lhe que os porquinhos cheiram um bocadinho mal. E a resposta foi: - Não te preocupes, eu limpo-o com toalhitas!

IR Do ego para a alma. Do que nos consome para o que nos move Do que nos tira para o que nos dá Do que nos prende para o que nos liberta. O mais fácil é que esse destino está dentro de nós.

Hoje assistimos em directo aos acontecimentos mundiais. Vemos as coisas em tempo real. Lembro-me de ver na televisão da Tia Maria os armazéns do Chiado a arderem num verão em que estava no Coentral. Das Torres Gémeas a arderem quando estava na sala de espera do instituto de inglês, num curso intensivo de verão. Da CNN mostrar um segundo avião a colidir com uma das torres. Ontem ardeu um icon da história. Vi primeiro nas redes sociais do que na televisão. Vemos as coisas no minuto em que estão a acontecer e todos trazemos câmaras de filmar no bolso. Estamos disponíveis e vemos tudo no imediato. Para o bom o para o mau.

O Martim foi para casa dos avós de boleia com os primos. Estava muito feliz com a ideia! Fez a mala dos brinquedos com o que mais gosta. A Nôno ficou. Ainda lhe custa estar longe dos pais, mas estava ambivalente. - Tu não vais aguentar, porque não és crescida como eu! Vais buscar-me, está bem? - dizia-lhe o Martim. Também fez uma mochila com os brinquedos de que mais gosta. Foi à varanda dizer adeus. Quando viu o carro a afastar-se chorou e soluçou. Depois passou. Quando o viu na videochamada voltou a chorar. Quando a fui tapar à noite disse o que diz sempre: - Podes ir tapar o Martim! Depois retificou: - Ele não está cá! Podes ir para a sala... E eu fui. Mas cinco minutos depois voltou a chamar. - Hoje podes ficar comigo mais um bocadinho? O amor de irmãos é mesmo bonito e intenso.

Conhecem o cão do Pavlov? Sou eu! Sento-me no sofá no meu lugar favorito. Espero pelo Bruno para vermos um episódio de uma série. Como ou bebo uma coisa boa. Ou ambas as duas. Sinto-me entusiasmada e desperta quando, de repente, me transformo num coelho que levou uma paulada na cabeça e desmaiou. Depois acordo e digo: - OHHH perdi o fim do episódio! E oiço, - Perdeste o episódio quase todo. Vou passar a ver televisão em pé!

Tiro sempre férias quando os nossos filhos estão de férias, mas eles têm mais dias do que eu. Claro que há actividades muito divertidas e originais e o Martim já fez várias. Mas ainda não há nenhuma que consiga igualar uns dias com os avós. Também eu adorava ir para casa das minhas avós. A avó Irene (a avó do gato) fazia-me ovos de tomatada, massa para brincarmos juntas às pastelarias, massinhas secas em frascos de comprimidos para brincar aos restaurantes. Iamos ao café e ao supermercado, comprava-me brinquedos no mercado às quintas-feiras (os conjuntos de chá mais bonitos de todos). Os dias passavam depressa. A avó Emília (a avó das missas) fazia-me bife de perú com batatas fritas, caldo verde e fatias douradas com o pão que sobrava. Bebia café com leite e comia carcaças com queijo da ilha. Ensinou-me a pregar botões e a fazer roupas para as bonecas. Corriamos as mercearias da baixa e íamos a igrejas onde eu nunca tinha entrado para poder pedir um desejo. Fazia tudo bem. Os

Os irmãos mais velhos são uma influência enorme nos mais novos. Eles imitam, dizem as mesmas coisas e aprendem imenso. No que toca a ver vídeos no youtube , uma coisa importante nesta geração, as pesquisas estão sempre cheias com as coisas de que o Martim gosta. Então dei por mim a assistir à Nôno a fazer o seguinte: foi à barra de pesquisa, carregou no microfone e falou com o telefone. O seu pedido foi: - Música Lucas Neto. E surge isto que ela adora, canta e dança:

O Martim ontem não parava de nos contar histórias de bonecada. Começou uma nova temporada do Thomas que vai dar a volta ao mundo e passa por vários países de África, pela China, América do Sul... há personagens novas e blá blá blá... E a dada altura pedi-lhe para nos falar dele, de coisas dele. Passou então para os amigos da escola. Mas de repente diz: - Jesus enviou-me uma mensagem? - Ai foi? - Sim. Disse-me que tem guardado as peças de lego que eu perdi. Também está a fazer uma construção como as minhas. Acho que ele gosta tanto do Lego 2 como eu!

Diziam que vinham aí chuvas malucas, granizo, neve nas terras altas e um fim-de-semana de intempéries. E que começava hoje de tarde. Feita maluca vou apanhar a roupa de manhã, a uma hora obscena e que para muitos ainda é de madrugada. Estendo dentro de casa a que ainda não estava impecável e vou à minha vida. Saio de casa com sol, continua sol e a aplicação da meteorologia agora diz que vai choviscar esta noite. Obrigadinha. Não podiam ter dito isso mais cedo?

De há largas semanas para cá, que me aparece uma poça de água dentro do frigorífico, por debaixo da gaveta dos legumes. Pensei que, neste ano da fava, só me faltava que desse o badagaio ao electrodoméstico mais importante da cozinha. Mas quem tem um Bruno Simões na sua vida tem tudo, pelo que partilho convosco a solução do problema. Por detrás da gaveta a maioria dos frigoríficos tem um buraquinho por onde escorre a água. Só que entope com a sugidade que vem sei lá de onde. Uma palhinha e uma toalhita resolvem o problema e não precisam de pagar nada a nenhum técnico. A Deco ensina melhor do que eu:

Esta madrugadao o Martim apareceu assustado no nosso quarto. Disse que tinha uma aranha na cama. De manhã perguntou-me se eu a tinha encontrado como quem conta um feito importante. Não tive coragem de lhe dizer que não estava lá nada. Disse que sim, que a apanhei com um guardanapo. Ele encheu o peito e disse que deve ter sido a chuva que a fez querer abrigar-se. Hoje já é dia 2, mas foi piedosa.

O máximo das pirracinhas é: Vamos no elevador até casa e a Nôno abraça o Martim de forma sentida e diz-lhe: - Vem cá meu pequenino!... E ele não barafusta com ela. Retribui o abraço como que dizendo: Eu também gosto muito de ti.