O Eu da Filipa

Tenho umas rugas de expressão bem vincadas na testa. A minha mãe diz que as tenho há muito. Mas acho que passei os últimos meses a franzir a testa mais horas do que de costume. Conclusão, até me doem. À hora do jantar comentei com eles. O Martim disse que praticamente não se notavam. Claramente para me consolar. A Nôno disse que se notam, que era melhor pôr um penso. Face ao meu: - A sério? respondeu - Eu também já tive isso. Não te reocupes, vai passar!

Ouvi hoje na rádio que um número considerável de americanos acha que o Corona vírus se pode apanhar através da cerveja. Beer Vírus é das palavras mais procuradas nos motores de busca. E assim se explica como é que um número, também ele considerável de americanos, votou  no Sr. Trump.

Agora, na maioria dos dias, vamos para escola a  fazer um quiz sobre Reis. E voltamos a fazer um quiz sobre dinossauros. Para lá responde o Martim. Para cá respondo eu. E estou a perdeu FORTE. Hoje entrei em recuperação com lições extra. Acho que vai durar.

Cá em casa não há telemóveis à mesa com bonecada a hipnotizar as crianças. Já houve, quando eram muito pequenos e gostavam mais da fruta do que da sopa. Quando deu nas notícias que o Papa Francisco queria famílias a conversar à mesa, os miúdos sentiram um reforço positivo, como que: "estamos a fazer bem e o que tu gostas!" Ontem a Nôno quis fazer-me companhia enquanto eu terminava o jantar. Sentou-se à mesa a jogar a Masha e o Urso no meu telefone enquanto conversávamos. Entretanto petiscou uma azeitona e disse: - Ainda bem que o Papa Francisco não viu!

Quando corto as unhas ao Martim ele diz sempre: - Cuidado com o meu "bife", senão tenho de ir à pedicure. E a Nôno de antenas no ar, apanhou a deixa. Enquanto lhe desembaraçava o cabelo, diz então, - Cuidado com o meu "bife"!

Este é um ano de números redondos. 2020. Eu e o Bruno fazemos 15 anos de casados. Completamos 20 anos de namoro. Eu faço 40 anos. A Nôno 5. O Martim 10. Podemos treinar a tabuada do 5. Mas eu estava só a pensar em comemorar. Isto tudo!

Ontem o Martim teve a festa de anos de um amigo da escola, num daqueles espaços dedicados ao futebol. Quem o conhece sabe que ele não joga e não gosta. Ainda assim disse que queria ir. Perguntei-lhe se tinha sido divertido ao que respondeu que sim. Comprei a resposta mas não acreditei. Antes de dormir voltámos a falar sobre o dia dele. Voltámos ao tema do futebol e eu perguntei-lhe porque é que ele queria ir sempre às festas que tinham uma única actividade de que ele não gostava. E a resposta foi: - Quando um amigo nos convida para a sua festa, se nós pudermos, devemos sempre ir. Ele escolheu o que mais gosta de fazer e, se eu sou seu amigo, devo ir. Não pelo que vou fazer, mas por ele. E é mesmo isso. Ele tem nove anos, mas um altruísmo maior do que o de muitos crescidos. Quantas vezes inventamos desculpas para nos livrarmos de uma tarefa que não nos apetece?... Quantas vezes nos fazemos de mais ocupados  do que estamos? Vou por ele! É a mensagem.

A Nôno gosta de lavar o cabelo todos os dias. Acho que é, em grande parte, para poder brincar e relaxar um bocadinho na água. Por outro lado, parece que se não molhar tudo não é bem banho. Então ontem disse: - O meu cabelo está muito Sidioso. Penso que é uma mistura de sedoso com luminoso. E é verdade que está.

Dia de Reis! Um dia importante na nossa família, desde sempre. Para a minha tia, que é espanhola, é o dia dos presentes. Neste dia eu e a minha prima Mónica recebíamos sempre qualquer coisa. Quando calha ao fim-de-semana, há almoço de família com a festividade da quadra. No colégio dos meninos há cantata de Reis. Uma tradição que mantenho, desde a minha avó, é a de comer romã com uma nota grande na mão direita. Guarda-se a coroa da romã e doze baguinhos em papel de prata numa gaveta, para haver dinheirinho para o pão durante todo o ano. Comemos bolo. Amanhã faz 8 anos que o Martim se baptizou. É uma noite de chá quente ou de vinho do Porto. Acabaram as festas mas a decoração ficará até ao fim-de-semana...

No ano passado não fiz nenhuma das habituais tradições de fim de ano. Foi um início de ano tramado. Foi um ano de muito trabalho, de muitas solicitações e exigências. Senti-me exausta. Várias vezes. Bateram-me no carro. Eu também dei um toque. O Bruno viajou muito. Tivemos umas férias de verão brutais. Passeámos bastante. Fizemos coisas giras. Voltei a ir a Fátima a pé. Ajudei e fui ajudada. Fiz amigos novos de quem gosto mesmo muito. E todos os lugares à mesa permanecem preenchidos. Só por isso já foi um ano bom. Superei-me e reinventei-me. Amei e fui muito amada. Tenho sempre fé e quem tem fé não tem medo. Ou tem menos. Acredito que este também vai ser um Ano Bom. Nunca quero voltar para trás. Nunca quis ter 20 anos e saber o que sei hoje. Não teria graça nenhuma. Venha vida.