O Eu da Filipa

O Natal passa depressa, como tudo o que é bom. Têm sido dias de diversão intensa. Horas a brincar com os brinquedos novos, como se todo o tempo fosse pouco. Ainda não experimentámos todos os jogos, mas temos aproveitado muito. E o tempo tem passado a bom ritmo, não tão depressa como normalmente. O Martim está em contagem decrescente para o seu aniversário. O último da família, mas dos mais importantes. A Nôno também está muito contente e acabou por dizer: - Mamã, o Pai Natal está de Parabéns! Trouxe tudo o que eu queria... Ainda bem. Que assim possa ser sempre.

Ontem foi a festa de Natal da Nôno. O jantar foi frango assado para desenrascar. A Nôno diz: - Este jantar está delicioso, fizeste com muito carinho mamã. - Desta vez não fiz querida, comprei feito. - Comprar também é com carinho!

- Mamã, sabes de onde é que vem o ranho? - Não faço ideia! - Da terra das moscas...

A Nôno dizia-me: - Doi-me o corpo todo! - Se calhar estás a ficar constipada... - Não, estou é a ficar magrinha! Mas disse isto com um ar mesmo preocupado!

A Nôno tem vários daqueles autocolantes em que, se os mexermos, a imagem muda. O Martim pegou então num, com a pequena Sereia e disse: - Olha Mamã, a Ariel muda de roupa. Esta imagem é holográfica! Ele ficou surpreendido e eu também, mas por razões diferentes.

- Mamã, quando tu estás triste o que eu sinto por ti é amor. E pronto, depois disto vamos lá estudar Direito Administrativo com todo o fulgor...

A Nôno decidiu cantar esta música de uma forma muito original: Tu és o sol, o novo amanhecer, Tu és farol a vida a renascer, Maria, Maria... És minha mãe e mãe da minha minie.

- Eu sou mesmo esperto, sabes porquê? Porque tenho cerebelo. E não foi engano. Ele sabe mesmo o que é.

A Nôno apela muito ao sentimento do Martim. Mas ele começa a estar habituado. E diz-lhe: Não me faças esses olhinhos, porque eu aguento.

Não tenho escrito quase nada ultimamente. Vou contar-vos porquê! Estou a fazer o curso da Felicidade. Quando acabar vou ficar absolutamente feliz. E amanhã estou a meio caminho do fim desta jornada.

Hoje a caminho de casa um carro teimou em não nos deixar passar à sua frente. Comentei com os miúdos que não sei o que é que as pessoas ganham com estas atitudes. Ao que o Martim diz: - Mamã, a vida é frágil. Não vale a pena aborrecermo-nos com estas coisas. E tem toda a razão.

- Mãe, quando eu for grande quero ser médica, porque já tenho uma mala e tudo. E tu, quando fores grande o que é que queres ser? - Ainda não sei bem! - Podes ser da minha equipa.

Confirmamos a enorme cumplicidade entre os nossos filhos quando, acordamos a um sábado de manhã quase de madrugada,  o Martim acabou de pintar as unhas da irmã, e ouvimos: - Gostas assim? - Está perfeito!

Pela manhã, ia eu à minha vida com o Wase ligado e a pensar,... - Hoje não dizes nada não é? Sim, estou cada vez mais maluquinha e já falo com um gps... quando oiço: - Atenção, animal morto à frente. A sério? Outra vez uma notificações sobre animais. Uma coisa é detetar um carro na berma, mas um animal morto? Felizmente não vi nada. Veremos amanhã. Espero que me diga: - Atenção, fim-de-semana adiante.

Dada o trânsito na capital, já não saio de carro sem ligar o Wase. Mesmo em percursos que conheço. Quanto mais não seja porque me relembra os radares. Mas hoje de manhã apareceu-me um aviso insólito e que nunca tinha visto. Em vez de: atenção, carro na berma adiante. Hoje era: Atenção, animais na via adiante. Em plena avenida de Berna. Por momentos fiquei confusa. Esperava encontrar uma girafa fugida do zoo, mas nada! Nem um dono a passear o cão! Veremos para a próxima!

A Nôno anda saída da casca. O Martim também. Mas hoje disse-lhe a ela: -Também não é preciso responderes-me assim... -Desculpa, é que o meu coração é muito rápido! O meu também, pensei eu!...

- As minhas amigas já deram beijinhos na boca aos namorados. Eu não, é um nojo! Eu só vou dar beijinhos ao Guilherme depois de casar. - Fazes bem querida. - É por isso que vou casar com ele amanhã!

A minha avó materna hoje faria anos. Amanhã faz anos que faleceu. Nunca me vou esquecer de me ter despedido dela de forma emotiva no Hospital de São José. Do seu sorriso doce e tímido. E de eu saber que era mesmo uma despedida ainda que não quisesse acreditar. Passaram 20 anos. E não mudou nada do que sinto por ela. Mudei só eu, que sou cada vez mais como ela. E ainda bem.

Os dias têm sido intensos. Para todos. A paciência é que nem sempre acompanha esse ritmo. Então o Martim diz-me: - Só tens de parar um bocadinho e olhar à tua volta. Vais ver que encontras a resposta. Sim, tem oito anos. Quem diria?

A Nôno é "um bocadinho" desastrada. Quase todos os dias deixa cair comida ao chão, e hoje não foi exceção. Quando uma parte do queijo fresco foi fazer turismo para debaixo da mesa, o Martim disse logo: - Mamã, pensa em coisas boas, medita, sabes que acalma muito!

A Nôno tem estado a pensar no tema para a sua festa de 6 anos. Tendo em conta que acabou de fazer 4, talvez goste de planear com antecedência...

A Nôno tem andado com a sua bebé de um lado para o outro. Foi então que me disse: - Mamã, ter uma filha dá muito trabalho, mesmo quando é de brincadeira.

- Os homens não têm medo de nada, só das mulheres. - afirma o Martim - Porque as mulheres são óptimas. - reitera a Nôno - E querem tudo à maneira delas! É esse o problema - diz o Martim Fim da conversa.

Temos cada vez mais coisas para gerir. O tempo, a despensa, o espaço no estendal, o conteúdo do frigorífico, as tarefas domésticas, os hobbies , o descanso e as horas de sono. As tecnologias supostamente vieram para ajudar e aproximar, mas também prendem e consomem. Nunca recebi, como agora, tantas mensagens, umas importantes e outras que não dizem nada. Mas que lemos. Vamos todos colocar os telefones de castigo ao canto da sala. É o que eu tento fazer quando chego a casa.

Fomos ao teatro no fim-de-semana. À noite o Martim perguntou-nos em que ano foi descoberto o Brasil. Eu e o Bruno errámos. Então muito indignado perguntou-nos: - Mas vocês não foram ao teatro? Foi em 1500. Foi uma tarde muito mais do que lúdica. Foram 90 minutos de aprendizagem. A peça repete no próximo feriado e o bilhete custa apenas 6€. Vale muito a pena.

Adorei a série. Vi todas as temporadas. Fiquei cheia de pena quando acabou e eufórica com a notícia do filme. Estou desejosa de ir ver... e a contar os dias. Sim já estreou há duas semanas, mas a vida ainda não deu.

O Martim estava a jogar um jogo de adivinhas com a Nôno. Ela perdeu porque a solução era gentileza. Então a Nôno perguntou o que era: - Imagina que eu te comprava uns sapatinhos muito bonitos sem tu me teres pedido nada. Era uma gentileza minha. Percebes agora?

Fiz puré de batata para acompanhar o jantar. O Martim diz-me: - Sabes que o puré de batata fica muito bem se lhe juntares endívia! A sério? Ele sabe o que isso é?

A Nôno está na sala dos 4 anos e já não dorme a sesta. Já não dormia aos fins-de-semana e nas férias nunca quis. Agora que a escola começou, adormece no carro a caminho de casa quase todos os dias. Nota-se que está cansada, principalmente nos dias da natação e da ginástica. Hoje disse-lhe: - Não sei como é que vai ser quando começares o ballet? (aguarda com muita expectativa poder ir dançar com as amigas) - Eu também não! - respondeu ela Acho que não vai jantar!

A caminho da escola e no regresso a casa passamos por um viaduto que está em obras aparatosas há meses. Penso que três. Felizmente nós vamos ao contrário do trânsito, mas já podiam ir acabando aquilo. Acontece que parece que está tudo na mesma. Contentores, máquinas, uma parafernália brutal e poucos funcionários. O Martim diz então: - Mamã, isto nunca mais acaba. Eu acho que os senhores que trabalham aqui estão o dia todo a ler jornais e revistas. E se calhar estão.

Depois do banho cantarolava uma música da Elsa, quando oiço: - Chega, chega, chega... - Queres que pare? Eu não canto muito bem, pois não? - É verdade!

Amanhã começam as aulas. Também deve começar o trânsito. O Martim perguntou-me como estava a correr a minha escola. Disse-lhe que tenho trabalhos de casa grande parte dos dias. - As mudanças custam. Não é só contigo, a mim também me acontece o mesmo.

O Martim hoje ao jantar estava particularmente brincalhão. A dada altura pregou-me uma partida engraçada. Claro que a Nôno disse que também queria fazer e eu disse-lhe que fazia depois do jantar. De repente, sai-se com a pergunta: - Sabes onde está a minha manga? - perguntou - Não! - respondi eu - Enganei-te, chucha de leite! E pronto, uma miniatura que já goza à grande.